quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

PALAVRAS SEMEADAS EM UM MARTE IMAGINÁRIO

Aqui estou eu. Ser humano como qualquer outro, distinguido pelas características em comum e as famigeradas peculiaridades, também chamadas diferenças. Amarrado entre duas forças atávicas, praticamente um cidadão grego de outrora, à deriva em mundo de forças primevas e primordiais. Sentado sobre o instante que se esvai a cada momento em que nasce, sobre o momento que fenece antes que eu o perceba, na gangorra entre a primeira fagulha de débil autoconsciência que obtive e a inescapável derradeira. Deslocado de mim entre a não vida antes da vida e a não vida após a morte. Transtornado pela tirania da identidade, tantas vezes motivada por percepções grotescas e preparadas por pensamentos de pessoas que me precederam e não pensaram sobre os pensamentos das pessoas que as precederam. Um ser humano contemporâneo, e só.

Deste ponto, que é intrínseco em sua verdade, não há nada de especial em mim. Nesta existência eclipsada, as palavras, hologramas de sensações também colocadas em xeque pela ciência atual, ganharam importância e necessidade. Há um desejo de que as “minhas” palavras tragam-me subsistência. Há a necessidade de falar a outras pessoas sobre a “importância” das palavras.

Vivo um tempo de paradoxos. Mas, quando os deuses eram rotineiros no ocidente, apaixonados, miseráveis e apaixonantes, não era o paradoxo motivo de impulso ao invés de perplexidade e depressão?

Ano passado, a falácia de ensinar ganhou contornos menos hipócritas para mim: desisti. E hoje percebo que é ambição demais querer fazer isso, e esperar que as pessoas, em sua maioria, o queiram também. Aos poucos desisti do amor, ou da faceta alardeada do amor. Não importa quantos ótimos livros tenha lido sobre as mentiras que contamos a nós mesmos sobre este tema, foi mesmo em um relacionamento desconstrutor que consegui chegar a este estado que talvez seja o mais lúcido de minha vida até agora. E por isso foi um relacionamento rico. Existe a vontade de escrever como um desabafo, mas não é esta a questão aqui. Faz meses que não escrevo na Miríade, há vários esboços de ensaios e crônicas espalhadas em cadernos de rascunhos, mas o deixar para depois eterno abortou, por enquanto, a maioria deles.

Hoje escrevo para deixar registrados certos pensamentos sobre coisas que se tornaram alvo de reflexões graças a minhas novas ambições. A maior dessas novas ambições é ser uma pessoa boa. Poderia alegar que tenho consciência de que não fui uma pessoa ruim tantas vezes assim, que perto de outros até que sou muito benévolo para com as pessoas, e tantas outras superficialidades. Mas a verdade é que querer tornar-se uma pessoa boa implica em certas considerações inescapáveis, ao menos para mim.

A primeira é que ser bom perpassa duas concepções que são alvo das questões humanas desde o início: o caráter ontológico do ser, coisa que parece pleonástica, mas é extremamente imanente à existência. Se eu existo, o que sou? E tão logo a resposta se mostre, devo indagar por que me defino como humano, como um ser humano consciente de que sou humano. Para poupá-los de uma série de referências filosóficas, basta dizer que, com tantas respostas catalogadas ao longo de milênios, não deixa de ser gritante o fato de que, ao final, em meu universo interior, meus pensamentos, a resposta ficará à mercê de minhas limitações cognitivas e de, quem sabe, minhas escolhas.

Deste modo, se os conceitos que fazem com que me considere um ser humano limitam minhas escolhas, uma vez que a leitura que faço da realidade é uma escolha, embora em certo nível consciente, a minha concepção não é real ao ponto de poder estendê-la a todos os outros entes que, em caráter metafísico, não se encaixam no padrão moral e ético daquilo que além das células e das heranças genéticas possa vir a considerar um humano, tal como eu.

Ser humano então, é algo, para muitos e também para mim, que vai além das contingências da matéria e abraça os limites perigosos da anima. Perigosos porque é bonito sustentar a crença em tais coisas, mas idiota aos olhos da razão fundamentalista. De qualquer forma, Brás Cubas estava certo, e não só a miséria, mas os sonhos (que podem também, levar à miséria) são os legados de nossas existências. Os gregos, novamente, estavam certos. Os fatos, verídicos ou não, nos agraciam ou amaldiçoam com uma eternidade que ás vezes invejo, e outras nem tanto.

Por tudo isso, a ambição de ser alguém bom é desmedida, medonha. Só sei que nada sei a respeito de quem realmente sou, até mesmo por que, com exceção de uma certa essência reminiscente de memórias de olhares quando infante, não sou quem um dia quis ser ou quem fui durante tempos, ou tampouco era realmente aquelas pessoas homônimas de mim. Logo, temos o segundo problema que é mais pernicioso: ser bom, quando a bondade está amarrada a valores culturais erguidos por dogmas que não têm explicação razoável, a não ser a esperança, a cada momento, que nossas angústias sejam resolvidas por um Deus, sempre ex machina.

O nó górgio de minhas angústias está aí. Simplificar a jornada da vida em ser bom, como muitos lucrativos manuais de segredos que prometem responder sobre quem somos nós aconselham, é uma tarefa mais hercúlea do que se pensa. Mas novamente os gregos, enquanto astrólogos, podem guardar uma semente de resposta. Assisti faz um tempo um programa no Canal Futura chamado “Beleza Pura”, uma série de documentários sobre o olhar e a beleza. Num deles, um astrólogo citou a etimologia de “considerar”, que é agir conforme o movimento sideral, do universo, da literatura composta pelas estrelas que escrevem o céu. Porém, afirmar que existe uma atitude ontológica cuja bondade obedeça uma lei natural, e portanto comprovada na ordem da matéria e seu movimento de caos e ordem, sendo assim analogamente divina (uma vez que o Deus, ou o princípio divino inventado ou intuído é a totalidade do universo, o Omni), implica em pensar (ou considerar com a mente...) o que deveria ser considerada uma força “benigna” e o que seria “maligno”.

A primeira idéia que me ocorre é o quão errados estamos hoje acerca do emprego das palavras “sagrado” e “profano”, quando estabelecemos, graças à liturgias repetidas por séculos, que aquilo que é considerado belo deve ficar intocado e imutável, e o profano é o mal, importunador da ordem do paraíso de luz eterna. Lembremos que a luz cega àquele que, num primeiro momento, não está habituado, ou talvez condicionado, à sua presença. E antes que alguém rotule minhas palavras de diabólicas, procure o significado do nome Lúcifer.

Ao seguir o raciocínio que proponho, se colocarmos aquilo que é “naturalmente bom” como as coisas e atitudes que são e agem conforme o universo ( que segundo a maioria é criação, e que individualmente, de fato, o é ), o assim chamado mal, poderia ser tudo aquilo que vai contra a ordem natural das coisas. Nosso grande problema, portanto é conhecer a ordem do mundo, aquela que faz sentido na bússola da alma. Para tanto, devemos também aceitar o caos do mundo, sem o qual a ordem não faz sentido. O que não significa aceitar o mal, pois caos e ordem são facetas do mesmo jogo, e contribuem para a dinâmica da existência com certa obviedade, apesar de mal entendermos como existimos ontologicamente.

Acontece que a questão do mal também vem acompanhada pela necessidade aparente do ser humano em estabelecer valores, a fim de preencher a misteriosa existência com sentido. Quando algo vai contra uma ordem estabelecida, é preciso, segundo uma lógica secular, sofrer. Ou melhor, é preciso alguém sofrer. Portanto, todo erro tem origem no mal, pois está em descompasso com uma ordem vigente, e aquele que provoca o mal, age em nome dele, e assume sua identidade. É aquele que tem culpa.

Assim, ter culpa é inescapável, pois uma vez cometida a ação que engendrou o mal, não há retorno, e o mal não pode ser desfeito na memória de quem o soube, a começar daquele que o fez, se enxerga sob o menor aspecto que seja, a sua atitude como má. Desculpar, portanto, seria desfazer algo acontecido, e não temos tal poder. Não há remédio para culpa senão viver com ela. Mas a culpa em termos humanos, se o humano é limitado, é também, uma noção com grande probabilidade de inexistência, uma vez que o ser humano desconhece a própria existência como um todo e a consciência que pune o próximo ou a si mesma é limitada.

Acho que agora chegamos ao ponto crucial desta manhã em que escrevo. O ponto exato é: como devo agir? Como ser o que sou? Existe uma noção de certo que combine o que sou com o certo universal? Não sei responder a essas coisas, mas algumas hipóteses vieram a mente e hoje amadureceram um pouco. Ainda em transe por algumas rupturas emocionais em minha vida, voltei para a cama após o café e olhei para a prateleira ao lado. Todo mundo que me conhece bastante sabe o quanto gosto da obra do Alan Moore, e por isso releio muitas de suas coisas. Watchmen me incomoda ( de uma boa maneira ) por que, entre as várias passagens da obra, há duas aparentemente antagônicas que levam-me a pensar, de tempos em tempos, em como devo olhar para o ser humano.

É possível ter esperança? Se não, qual o sentido de tentar fazer o bem em meio às trevas? Nossa vida tem realmente algum valor?

Reli a passagem com o ponto de vista niilista de Rorschach e a com o ponto de vista reconfortante do Dr. Manhattan. É belo como a crueza das perspectivas do vigilante humano o faz, apesar de desiludido, ainda tentar colocar ordem, solitariamente, no caos que o engole. E ver o ser de percepções divinas que é Manhattan adquirindo uma perspectiva que, apesar da frieza crescente de sua lógica, abraça o caos como motivação para valorizar a vida humana. É extremamente belo, a cada vez que leio.

Muitas vezes me aproximei da visão de Rorschach, e não creio que ele esteja errado. Ao menos, nem ele e nem o seu paralelo narrativo acreditam na existência de Deus, ao menos, como nós o concebemos, sempre prestes a surgir e, num estalar de dedos, como em algumas tragédias gregas, resolver a nossa situação. Está tudo em nossas mãos, desde que acreditemos que isso vale alguma coisa. Hoje, a visão de Manhattan deu uma direção às minhas reflexões.

Ao lembrar dos milagres termodinâmicos (termo da física quântica que alude a probabilidades que matematicamente são quase impossíveis, como o chumbo transfomar-se, súbito, em ouro), o personagem resgata a fé, se assim podemos chamar a admiração pelo imprevisível que surge para nós com a qualidade do novo e do belo, na vida humana. As coisas e os fenômenos do universo estão aí, das macro às micro estruturas e substâncias, no entanto, é o fenômeno da vida que é interessante e desafia toda a lógica universal até onde podemos entender astronomicamente. A vida única de cada um, com essa identidade moldada, aleijada, erma, de cada um de nós. Essa possibilidade de sermos escravos do olhar dos outros, essa capacidade de iluminar o olhar alheio por nosso próprio olhar, ausência, palavra e silêncio. Somos especiais, enfim. Importantes quiçá. Interessantes, no mínimo. Mas, nas palavras do personagem, somos tantos que não nos damos mais conta disso.

Foi então que percebi uma última questão, que deixo aqui para quem quiser ir além. Ou para eu mesmo mais tarde. Entendi a compaixão; a compaixão é o atributo da pessoa capaz de pensar a si e aos outros além da própria rotina e retina; é atributo do Deus feito homem que ao viver entre os milagres e ser um deles, entende a escuridão após os limites de seus sentidos e idéias e pede ao universo: “perdoa-os, pois não sabem o que fazem”. Desculpar é impossível para Deus, para o Dr. Manhattan e para nós, pois é impossível desfazer os atos, tudo após seria compensação. Deus é fiel: ao universo que é Ele mesmo. Mas com a consciência expandida, galgando aquilo que chamamos divino por estar além do medíocre, é que podemos verdadeiramente perdoar ( que significa doar com intensidade ). O olhar diferenciado esquece a pequenez e a irreversibilidade da culpa e lembra que toda lacuna tende a ser preenchida, portanto doa uma energia que poderíamos chamar de amor transcendental, quando algo age contra o universo, quando o universo homem se desconhece e desconhece o universo no próximo, quando age com o mal. É divino perdoar, pagar mal com o bem. E está ao nosso alcance, senão à nossa altura, perdoar.

E nas areias de Marte, numa Marte fictícia, planeta batizado com o nome divino da guerra, captei uma possível pista para a paz de espírito. Fecho os olhos, eu ser humano, “real”, me transporto para aquela Marte. É possível ver Vênus, fulgurante, planeta batizado com o nome da Deusa do amor, a nossa estrela d’alva, a estrela da manhã, um outro nome para o arcanjo caído.

O clichê é inevitável: há, sem dúvida, mais mistérios...

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

I am an anathema

Pode ser que as palavras que tentam exprimir a incerteza e o indefinível sejam aquelas mais carregadas de significado, e que esta máscara chamada significado signifique aquilo que só pode ser mencionado pois já está morto e processado pela máquina universal limítrofe do pensamento. Minha namorada acaba de me dizer uma daquelas verdades auto-ajuda inefáveis e reverberantes: há caminhos que nos pertencem, e aqueles que nos são impostos.

Faz tempo, pra falar a verdade faz anos, desde Gárgulas, que um espetáculo não me compele irresistivelmente como desculpa motriz a escrever.

Mas antes de redigir sobre o espetáculo quero refazer alguns passos. Pode ajudar a escrever melhor, ou não, mas que se dane, pois estou com vontade. E neste átimo noturno, ao som da fonte que montei para minha tartaruga e meus peixes, eu quero fazer isso. Basta.
Acordei como há muito tenho feito, na luta instantânea de não tentar planejar o meu dia, mas ao mesmo tempo reunir forças para não permitir ao pensamento que acessasse aquela ordem mundana e estásica que rouba nossos parcos momentos entre as eqüidistâncias solares. Tenho obtido algum êxito, mas de pronto lembro que o breakfast tem sido um pouco rotineiro e culpo a televisão que além de possuir programação limítrofe, tem como natureza exclusiva do ente “aparelho de tevê” que se aloja em minha sala, limitações de percepção que o forçam a se manifestar no ranço mobral de menos de meia dúzia de canais. Já não suporto mais a Record, que pega bem pela manhã, me informando da mesma forma que a Globo, pois já descobri a tendência de malhar o governo do Rio de Janeiro e suas ações por motivos cotovelares e tentativas bispadas de reluzir administrações passadas com escurecimento da atual. A essência da merda não é o formato, mas a recepção de quem a olha, desassociada, um corpo estranho do qual podemos nos desligar com a mesma técnica do controle remoto.

Fui ao banco, reticente, após chafurdar nos últimos dias em leituras que alertam sobre quem realmente manda no mundo e o escroque por quê. Fui a feira e uma amiga me ligou louca para desabafar o fato de que o namorado deu um tempo com ela e culpa-a de coisas que estão dando errado com ele. No estado atual de minha pantomima a caminho da consciência, pensei de imediato em como é um argumento desgraçado e triste o do rapaz, uma metáfora, um símbolo, a bandeira de uma distribuição de culpas e negação incessante. Minha amiga, por sua vez, disse, não, vaticinou, que agora é que não parava mais de fumar, embora esteja de saco cheio e conscientemente coberta de razão em dizer um grande foda-se ao cara. E diante da incapacidade do indivíduo de atingi-la, maços seriam multiplicados. Quem está sendo punido?

Comprei umas frutas e peixe. Almocei bem e anotei mentalmente que preciso dedicar mais tempo ao aprendizado de culinária. Meu almoço não estava ruim, muito pelo contrário, mas agora entrei numas de aprender, de fazer da informação e da aquisição de conhecimento minha droga eleita. Exercitar a liberdade em meu último refúgio e quiçá único, aquele espaço que possa conseguir salvar em mim mesmo ainda não tomado pelo que já estava pré-estabelecido pela mesmeragem do tenha-tenha-tenha. Aqui vai mais um concordar com minha namorada, quando ela diz que a liberdade não pode coexistir com a igualdade.

Talvez por isso eu tenha lido a tarde inteira sobre coisas tidas como malucas, baixado vídeos sobre conspirações e sociedades secretas que estão em cada esquina, outdoors ou notas verdinhas, lembrado como grande parte da minha adolescência foi fora dos padrões da normalidade e ao mesmo tempo como eu nunca realmente fui a máquina de grandes feitos aos olhos do mundo que todo mundo sonha ser. E descobri que não há volta e curiosamente, sinto em meu espírito que estou rejuvenescendo o olhar com a busca pelo saber, regredindo à capacidade de ser leve e ter o olhar puro de vez em quando. As benesses do desemprego com o ócio à moda dos filósofos clássicos.

Um dia tranqüilo, apesar de algumas constantes lutas comigo mesmo para ficar sóbrio diante do vício da dispersão catalisada pelos vícios adquiridos pelos aparelhos de induzir paixões piegas. E então tomei banho e fui tranquilamente juntar-me a minha namorada para ir até o Sesc-Santos e assistir à Anátema, escrita e dirigida por Roberto Alvim e interpretada por Juliana Galdino, de quem a Karin é fã de antanhos em Antunes.
Perdoem-me, mas a conversa que tivemos até lá foi deveras agradável, mas não vou partilhar os assuntos, por motivos de egoísmo moral e intimidade.
...
É incrível como a omissão, a não presença, a menção de que algo não será dito e a forma como isso é colocado preenche “significados” e conduz a uma gama de conclusões previsíveis, não é mesmo? Você acha que sabe a natureza de nossa conversa, e na ausência de saber o que você sabe, eu acho que sei o que você pensou e corro o risco de achar que estou absolutamente certo e deixarei agora que você fique em dúvida de que estava. Preenchimento do vácuo. Dedico esse parágrafo a Lacan e já comentei que não há espaço para xiitas do pedantismo aqui. Quem não gostou que pelo menos faça o que falta ao ser humano contemporâneo. Se você sabe do que estou falando ótimo. Se não, pesquise, procure, se informe, mas jamais, jamais tenha preconceito contra o conhecimento. Ele é tão possível de ser seu quanto não me pertence.

Mas vamos lá. Antes de subir ao palco, pois o monólogo foi apresentado de modo intimista, o que soube mais tarde que era a práxis da apresentação do espetáculo, normalmente apresentado para cerca de 40 pessoas se não me engano, lembrei de quando ouvi a palavra anátema pela primeira vez. É quase impossível ficar sem recorrer a uma citação de algum quadrinho, e que se dane. Lembro que foi numa edição americana de X-Factor, um título dos X-Men originais, saindo da boca-voz-balão de Apocalipse, um vilão secular que incitava as situações à leitura rasa do paradigma darwiniano de que “os mais fortes herdarão a Terra”. A terra herdará a todos um dia, disso eu tenho certeza. Apertando a descarga ou não.

Apocalipse disse, impávido: “I am an anathema” e eu disse “que diabos?”. E aí anátema se juntou ao panteão do léxico absorvido nos quadrinhos, ao lado de ataúde e repasto.
Que significado teria “Anátema - o espetáculo” com o nome que toma da tentativa de nomear o mistério que só tem o nome de mistério por não sabermos o que realmente é?

Meus alunos e amigos estão carecas de escutar de minha boca e de meus dedos a frase da Clarice em G.H. de que mais gosto e lá vai de novo: “ O nome é um intervalo para a coisa”. Mas neste caso, talvez não o seja. Juliana começa sua fala com a questão atávica e perene sobre o que é a vida, o que é o amor. Um pouco antes disso, vejo dois rapazes sentarem ao meu lado esquerdo. Eram gays, e não preciso atestar aqui se sou ou não preconceituoso. O único que pode ter certeza sou eu e você só pode tirar conclusões, se isto importar.

Uma das coisas que percebi em minorias, e no caso dos homossexuais eu diria que já não o são, ou nunca foram, é que as minorias ou os assim rotulados e marginalizados celebram a diferença notória mas estabelecem padrões rígidos de comportamento que depõem contra o senso de liberdade de expressão e favorecem a criaçao de estereótipos e outros animais que fazem da expressão uma cova rasa ao invés de uma trincheira . Quando exércitos se encontram, cada bandeira e hino tem sua beleza, mas abaixo disso os canhões têm o mesmo discurso. O próprio Foucault, em texto recentemente publicado pela Landy, reflete de maneira semelhante. Minha leitura talvez viciada da linguagem corporal e outros detalhes concernentes à linguagem como o discurso todo de uma pessoa já me diziam que grande era a probabilidade de ouvir bobagens. E o mais amedrontador: que as bobagens fossem ditas durante o espetáculo. Mas não conversaram durante a peça. Em compensação, quando uma moça portadora de necessidades especiais, que parece sofrer de alguma espécie de atrofia e por isso anda com um carrinho high-tech chegou, o comentário de um deles foi desdenhoso “Pensei que fosse uma boneca!”.

O discurso espelha nossos sonhos e desejos, diria a psicanálise. Sejam os sonhos, os arquétipos que neles transitam ou o dito e o não dito.

O espetáculo é maravilhoso. Mas talvez ele não tenha sido um anátema para mim tanto quanto foi para o rapaz ao meu lado. Ou para a moça que não parava de comer e fazer a trilha sonora in loco de plástico revolvido (pode ter sido combinado, eu tenho a sanha de espancar até a beira da morte as pessoas que fazem barulho no cinema, que dizer em um teatro). Pra mim e pra Karin, ele foi, de certa forma, catártico o tempo todo, justamente por espelhar as perdas que tivemos nos últimos anos e as angústias ontológicas com as quais lidamos a cada segundo. Não tem jeito, a alegoria da caverna é mesmo inescapável. Não conseguimos mais habitá-la. As lágrimas dela rolaram logo no início, na parte da perda da mãe. As minhas chegaram perto do final, quando Juliana me transformou em sua última vítima e eviscerado em minha alma, estava inserido na narrativa e olhando-a, transfigurado em seu abismo.

E o rapaz ao lado ainda ria, como o fizera a peça inteira.
Terminado o espetáculo, não saía de minha cabeça a curiosidade sobre o texto e a proximidade de seu peso com tudo de Dostoiévski , com muitas passagens dos quadrinhos de Alan Moore, com películas que já assisti e percebi que estava de uma obra que pode vir a não ser perene e canônica, como todos esses escritos de pessoas que foram subversivas para seus convivas, mas que viviam na emersão constante que possibilitava o vislumbre do mar marasmo que eram obrigados a singrar, e que possui tanta força e universalidade quanto o que já é sacro para a Arte de contar histórias.

Fiz minhas perguntas, e o rapaz ao lado fez a sua, utilizando a palavra sarcasmo, e disse, não com estes termos, sentir falta de uma catarse que deixasse a assassina mais assassina. Aquelas armadilhas do discurso, não é? Criou-se uma discussão sobre a possibilidade das leituras que fazem a riqueza e a essência da arte, mas devo lembrar que mesmo Umberto Eco, instaurador do termo “obra aberta”, em um livro chamado “Interpretação e Superinterpretação”, ao treplicar o pragmatista e nem por isso carente de relevância Richard Rorty, lembra que há a possibilidade de toda e qualquer leitura, mas há, acima de tudo, um eixo de pertinência referencial, um certo limite para constituir o campo paradigmático do objeto artístico. Ou seja, há leituras que podem ser totalmente opostas e ainda assim serem coerentes, enquanto há aquelas que não partem do objeto como princípio para análise e se perdem por não constituírem uma interação obra + olhar, e sim olhar sem ver por precisar projetar valores que não pertencem a sua essência em tudo, por não conhecer a si e à arte da entrega à arte.

Para o rapaz ao lado, a peça fora realmente um anátema. O anátema no qual está, talvez, inserido, e que causou o riso-defesa durante todo o espetáculo.

Fiquei ainda com vontade de conversar com o Roberto Alvim sobre algo em que ele resvalou em um dos comentários, e expor a visão de como uma personagem teatral habita um circuito que vai da 2ª à 5ª dimensão, mas não sei se haveria tempo. E ainda estou embasbacado e de certa forma triste por saber que Juliana passou e passa por dilemas que eu e Karin conhecemos muito bem. Queria que ela estivesse conosco enquanto conversávamos já perto de casa, sobre como provavelmente apenas as pessoas que querem transcender seus referenciais escapam do ciclo interminável das epifanias.

Pensando bem, palavras não expressam o sentir com exatidão, mas foi um dia ótimo, coroado por uma noite inesquecível. Pude enxergar mais que um espetáculo e sua miríade de leituras e possibilidades. O que vi foi dois seres humanos maravilhosos, tangíveis ao extremo, que fazem da ribalta uma intersecção de realidades e alcançam o poder supremo do teatro, que é dar substância aos sonhos, principalmente quando as platéias se encontram cada vez mais em sono profundo e pesado, e não sabem existir pelo medo de que isso doa. E dói.

Que o universo abençoe a vocês, Roberto e Juliana. Que possamos novamente trocar tanto tesouro genuíno, sob a inclemência desta ilusão exígua chamada tempo.

Um beijo do tamanho do anátema chamado vida em seus corações.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

O dia em que o Sonhar não fez efeito

Acabo de terminar a leitura de mais um encadernado de histórias do famoso e fabuloso quadrinho chamado Sandman. Nesta última encadernação, intitulada “Fim dos Mundos”, acompanhamos personagens de diversas histórias, da literatura, da mitologia, dos recônditos da mente prolífica de Neil Gaiman, num verdadeiro aleph em forma de uma estalagem, cuja estadia é paga com o contar de uma história. Então os personagens se revezam, como em Chaucer. E é impossível não lembrar de “Noite na Taverna”, subestimado pelos adolescentes que ao invés de leitores são pré-vestibulandos, e lêem qualquer história ou aprendem histórias da carochinha em livros de história com carimbo acadêmico como que autômatos e não pássaros ao sabor não antecipado do beijo das lufadas. Não comparo com Chaucer ou mesmo Gaiman, pois não se deve comparar histórias quando elas são uma moeda em troca do vinho que aquece a alma quando se sente perdida entre estranhos.

A história de "Fim dos Mundos" narra este lugar nenhum por onde todos os lugares se encontram, independentemente de tempo e espaço, e as probabilidades mais inesperadas são a de praxe, aquelas raras chances de encontro e aprendizado que assombram os dias de tédio e ordenada, feliz, e inconsciente tristeza de não estar vivendo, só shopping and fucking.
Mas eu senti algo mais em relação aos personagens, e acho que as pessoas todas sentem isso nestas ocasiões. Eu tenho certeza disso, por mais que alguém venha a negar. Pois se alguém negar, é porque não está desperto, ou em acordo com os sonhos que todos sonham juntos quando acordam dessa realidade construída a sete palmos de si mesmos, de sete corpos enterrados e mutilados no lixão da percepção de si.

Uma das histórias prediletas tem o nome de um livro de Dickens, “Um conto de duas cidades”. Eu a considero estarrecedora além de um exemplo de que a literatura cosmopolita ou de origem urbana que possui profundidade é aquela que entende as invenções do homem como construtos que possuem uma consciência própria; essa é uma opção até benévola, para não enfatizar a possível vergonha de que a espécie sapiente na qual estou inserido é inteligente ao ponto de ser sobrepujada intelectualmente pelas próprias ferramentas que criou. Mas não vou contar a história. Sandman merece ser lido e ponto final. É grandiosamente complexa de tão humana esta obra.

Podemos encontrar reflexões parecidas sobre nosso ambiente urbano em coisas mais leves como Marvel Boy de Grant Morrison, que traz um conceito sobre a mídia simplesmente genial em meio a um “simples” quadrinho de super-herói, em Do Inferno e A Voz do Fogo de Alan Moore, nas obras de Beatriz Sarlo, que me foi apresentada pelo professor Sérgio Montero Aguiar, e ao lembrar desta figura não posso ignorar que a obra de Joyce foi a célula matter moderna para um fluxo de consciência que é cada vez mais reflexo do caldo polifônico (ou esquizofrênico) de infinitos mundos que morrem e nascem a cada olhar de cada ser humano ou quiçá dos vegetais.
Essa questão dos mundos que morrem é algo caro para mim. Creio ser louco pois não existem loucos como gente sã pensa, pois gente sã é uma mentira contada no mundo de mentira inventado para barrar a sensibilidade dos loucos. As pessoas ouvem vozes porque a mente é um labirinto fatal que ecoa a voz calada de cada instante que não desabrocha, que não vem à tona em expressão ou na partilha da consciência de havermos percebido aquilo que faz sentido além de meus credos fabricados.

Este foi um ano de percorrer estradas já trilhadas, cujo asfalto se fez entender por constância e insistência. Aqui não é seu lugar, diz o chão.

Por isso acordo em torpor todos os dias. Têm me salvado andar de bicicleta nos últimos dias, procurando ruas e vendo estabelecimentos que não sabia que existiam com a proximidade de dois quarteirões até. Onde estava aquela agência de correio? Já existiam aquelas casas perto do porto? Porque parece mais bonito pedalar olhando o mar na Ponta da Praia? E porque lamentar que estas coisas estejam longe de quem ocupa seu tempo com um trabalho estipulado em horas, em microcosmos de escritório e me sentir culpado ao mesmo tempo que em débito comigo por não me permitir caminhar na areia numa terça à tarde se minha alma precisar?

É terrível acordar nos últimos meses e num átimo reviver uma série de imagens que me ferem: a hipocrisia e o poder mesquinho das pessoas que regem os micro-universo nos quais trabalhei, a falsidade e mediocridade de diversos e aclamados profissionais da educação que possuem egos maiores que a Via-Láctea, crianças rotas em sala de aula, muitas com berço de ouro e família de merda, e poucas com família de merda e cabeça de ouro, entre outras com um tanto significativo de coisas que não servem nem para adubo jogando cartas em uma aula inútil de literatura (afinal, pra quê literatura, não é?) e outras donzelas em sono profundo no canto da sala, cuja desculpa são os remédios tarja preta que as pobrezinhas tomam para suportarem a vida terrível de baladas regadas a uma carreirinha de cocaína ou outra. Será que consigo me exorcizar, me livrar dos fantasmas de batalhas cujo sangue em que chafurdei vaza de corpos de valores e morais fabricados por uma elite imoral e uma massa ignorante que os perpetuam?

Este sangue que não tem cor e não existe pois vem de maravilhas que deveríamos ser e contemplar, coisas que não existem pois não existe aborto de idéias, mas um vazio antítese da própria existência que se espalha na inutilidade de percorrer este caminho pré-programado a que chamamos de vida real.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Metalinguagem: ganhando nomes.

Desde que comecei este blog há menos de um mês, num ímpeto de necessidade de expressão de um avatar moribundo (o professor como uma das máscaras de meu ego), muitas idéias surgiram e embora seja uma pessoa essencialmente caótica por questões de comunhão com a natureza do universo, a adoção de uma sistemática para conferir uma identidade à Miríade foi algo que fustigou meus neurônios sedentos por aprendizado internético e informático e expressão anímica.
A busca pela identidade do blog, pensando bem, não é anti-natural e nem conflita com o Caos, mas talvez seja, antes de tudo, uma decorrência natural dos padrões caóticos de minha própria limitação de percepção... vai saber...
No entanto, se existe alguém que retorna a esta página com qualquer frequência que seja, peço para que tente, ao menos um pouquinho, dialogar, deixar um post, um olá... continuarei a postar mesmo que ninguém o faça, mas já enjoei de monólogos no início de minha carreira nos palcos e não quero enjoar de novo. Olha lá! Mais um pouco eu grunho um sniff! e fico de joelhos.
...
Eu, hein??
Bem, de qualquer modo, por enquanto haverá algums posts fixos, para alguns temas. O blog tem se configurado como um lugar com links para coisas que acho interessantes em nível cultural e portanto uns nomes foram surgindo na cabeça de vento aqui: "Toda Jornada" será o nome de posts que possuem caráter filosófico, embora eu não saiba ainda se é filosofia ligada a caminhar, uma qualquer filosofia.
"E LA NAVE VA" será sobre declarações célebres, principalmente de repercussões políticas. Se minha voz não encontra forças para condensar o que ouço ou leio, não vão sair as perfídias políticas pelo outro ouvido, ou sem filtro, por seu lugar de excelência, o outro olho, tão bem ilustrado pela mais famosa capa de disco de Tom Zé, se não me engano.
E "metalinguagem" será o nome dos posts para escrever sobre... não. Me recuso. Já cansei de falar sobre isso mil vezes. Se você consegue ler com certa fluidez isso tudo, até agora, que se lembre daquela aula sobre as funções da linguagem e entenda. Chega de pegar na sua mão. E se você não sabe o que é, ligue a trilha do Indiana Jones, que logo logo volta aí (Ei , Harrison, é isso aí! Seu negócio é chapéu com estilo e Millennium Falcon, que aterrisa sem reverso!! é muito retrocesso trocar a princesa Lea pelo Air Force One) e chicoteie os neurônios com pesquisa e leitura.
Além disso, vem aí dois tipos de posts supimpas com pretensões de publicação: um sobre as mazelas e distopias escrotas que vivenciei nos meandros da educação e um livro (literário. é.) a ser escrito aqui. (Não, não quis ser original. Nem aderir à moda. Largue a mão de ser xiita do pedantismo excludente e pense que estarei escrevendo um livro e não assistindo programas dominicais de auditório. Não todo domingo.)

terça-feira, 31 de julho de 2007

E LA NAVE VA!: "Ei, cozinha e embrulha pra viagem!"

O importante não é o pepino, é saber lidar com o pepino. Saber cortar, cozinhar e ter inteligência e calma para trabalhar o pepino.”
José Carlos Pereira, quando presidente da Infraero, sobre a crise aérea.

Parece que, enquanto o brigadeiro José Carlos cozinhava o pepino, a batata dele assou.”
José Carlos Aleluia, deputado.

Sei que até eu mereceria uns tomates por retomar algo que já virou uma salada na internet ( é só digitar pepino cozido no google), mas o caráter, como diria um nada saudoso ministro, “incozível” do vegetal supracitado pelos senhores ilustres do governo já evidencia que estão despreparados para o paladar brasileiro, embora estejam em confluência com a degustação de iguarias de outras culturas.

Mas ok. Tudo bem. Você aí, brasileiro, defina três itens da cultura popular genuinamente brasileira, e verá que tupiniquim come qualquer coisa. A fome é brava.
Não é um chuchu de país se o olharmos assim, mas há alguns ainda acreditam que basta sorrir e seguir em frente que é sopa no mel, o país ainda dá um caldo.

Apesar da buchada indigesta vir de administrações de cheffs pregressos, de escolas culinárias diferentes mas adeptos de um mesmo cheiro verde, o problema chega finalmente à ala do restaurante que ainda não tinha ares de boteco, aquela de quem já há algum tempo, come mortadela e arrota peru.

Muitas pessoas encaram o sururu do atendimento em hospitais públicos com mais que uma mosca na sopa todos os dias, várias outras não sabem ao menos ler o cardápio de seu direitos constitucionais, e ficarão até o fim de suas vidas sem saber o paladar da holográfica liberdade de expressão que o fato de ser alfabetizado projeta para quem é mais que funcional. Engolem a seco a própria sombra de existência ao lidar com uma vida que não oferece a mínima organização de segurança para degustar seu ir e vir, apesar de pagar o pato carbonizado com combustível de jato que arde nos impostos inaplicados devidamente.
Grãos apodrecem em armazéns para não quebrar o mercado que não encontra quem os compre, as melhores carnes e frutas são do tipo exportação e alimentam o exterior com “polpa” e circunstância. As coisas estão escondidas por trás de receitas como na ditadura; apostilas para mastigar o que cérebros desdentados desde cedo não aceitam como alimento e línguas afiadas para falar daquilo que não sabem, de si mesmos, e de um perfil de cidadania nacional, uma identidade sem identificação ou reles paradigma.

Daí achar curioso que ( vinheta clássica nada irônica: pan pan pan paaaaaaannn!!) a classe média alta (se é que isso existe ainda) esteja sobressaltada com o abacaxi aéreo, que para o governo, que não é bobo, toma o avatar suave de pepino, pois assim fica mais aerodinâmico e não tem espinhos. Mas quando não se sabe o que fazer com ele, pensa-se em cozinhar, e pepino pequeno, pelo que me contaram, até é cozinhado para por em conserva.

Resta aos que comem nas nuvens com freqüência acreditar ou não se esse pepino com o tempo será conservado e lembrado de vez em quando, na ocasião de acidentes domésticos aleatórios, porém previsíveis. Resta a eles olhar para baixo mais vezes e procurar rastros do governo que governa governos, ou estabelecer a metáfora de que daqui de cima parece tudo de brinquedo, parecemos todos formigas. Claro, infestando um bolo que não é nosso.

Só fico imaginando o que se passa na cabeça do Joãozinho e da Mariazinha que todos os dias encaram sururus e pagam patos impostos e nunca experimentarão um grão de arroz da classe mais econômica sequer. Assim em cima como embaixo. Uma realidade oposta, distante. Há o que não me atinge, mas há o que me esmaga. E sabores e palavras que muitas línguas vivas ou mortas, de gente viva ou morta, jamais vão conhecer.

E mais uma vez, embora espere que não, o problema convertido em objeto fálico será empurrado para baixo, nas mãos da turba que não terá muitas opções para onde enfiar essa coisa, uma vez que o tapete é voador e debaixo dele já tem muita porcaria, inclusive a vida minimamente significante da própria turba.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Toda Jornada

Toda jornada é um descortinar do espírito, caminho para a eterna reconstrução do ser? O caráter ôntico de minhas retinas torna-se acentuado a cada dia neste mês. A fenomenologia, uma das modalidades acadêmicas para a filosofia e a linguagem no último século, deve ser, lá no fundo, uma das culpadas. Ou a leitura em demasia do Juliano Garcia Pessanha, que anos atrás olhou para mim e disse algo que eu já sabia a meu respeito e que ainda não consegui alcançar no cotidiano.
Essa figura, uma das melhores surpresas que já tive na Literatura, desmontou um monte de coisas que o mundo já havia imposto à minha percepção. Mas foram suas palavras mediadas pela voz, e não pelos excelentes textos escritos, que soçobraram de vez o entendimento do, parafraseando Moska, falso de mim.
Ontem, como no esforço de um paraplégico naqueles filmes de superação habitantes do Supercine, acordei e ao sair para comprar o miojo de talharim no supermercado não pude deixar de observar a miríade de realidades na qual nos encontramos, representada por esta série de simulacros e possibilidades infinitas dentro de cada canto de jardim, de cada folha emancipada pelas árvores, em cada ser humano, completo estranho para mim, mas tão próximo na angústia de existir. Acho que quem não sente esta angústia neste mundo deve ter seus motivos, da obscura arcanna ao medo de “não ser mais feliz”.
E é isso que estou fazendo, quer dizer, tentando fazer a cada passo. Olhar o mundo com toda a potencialidade que ainda desconheço em meu espírito. Ser mais distante do ser construído pelas regras mundanas e alcançar um estado de liberdade interior. O bom é que a idade traz o discernimento de que não é preciso esfregar na cara de todo mundo as poucas conquistas neste campo.
A vida como jornada; algo a se pensar. Percorrer ciclos, algo muito bacana para os hamsters até eles enjoarem. A palavra jornada vem do provençal homônimo, possivelmente derivada de jorn, que significa dia, em confluência com o latim diurnum, fazendo com que o ouvinte a entendesse como “aquilo que se faz durante o dia”. De acordo com Deonísio da Silva, em A vida íntima das palavras, o vocábulo passou a ser um termo para a designação de marchas de batalhões ( por isso todo o filme de guerras perpetradas por cavaleiros em distantes reinos tem aquela fala inigualável: “Acamparemos aqui esta noite!” ). Deonísio ainda diz que a jornada ganhou outro sentido com a industrialização. A jornada de trabalho.
Este assunto ainda vai longe aqui na Miríade, na recorrência típica de infinito vezes infinito. Mas fica aqui a reflexão e até mesmo o convite para comentários e opiniões de vós e de voz, leitores. Das jornadas míticas, das jornadas dos grandes poemas épicos construtores da imaginação e da cultura das nações, das jornadas cheias de glória tanto quanto de torpeza pelas causas mais santas e sanguinárias na Idade Média à jornada do herói cotidiano que simula ser alguém em paraísos e infernos artificiais. Foi a palavra quem perdeu seu carpe diem ou o homem quem desaprendeu a ler a vida?

terça-feira, 24 de julho de 2007

"À guisa de padrões sociais" ou "Os uéucomes necessários"







Embora não pretenda demorar ( pois, com o perdão do aparente chiste, tenho que alimentar um quelônio aquático na casa de minha "amante"), simples desejos de boas vindas não fariam jus ao momento. Vá lá: agradeço seu olhar e o diamante precioso que é o fato de você gastar sua energia psíquica na leitura de meus escritos neste mesmo instante. Mas como tenho observado, a literatura dos blogs à qual somo forças neste dia tem seu caráter profundamente ligado à crônica e à partilha de olhares. Uma tarefa dantesca, eu diria, nestes tempos insólitos.
Ontem mesmo saí de uma palestra interessante sobre a Fraternidade Branca com a premissa de aliar assuntos como os Mestres Ascensionados com a física quântica, e é perfeitamente possível, uma vez que esta tecnologia chamada palavra permite que possamos estabelecer contato, interpretação e superinterpretação entre tudo, nada e, quem sabe, mais um pouco. Borges e Eco que me perdoem, mas as bibliotecas infinitas e as associações infinitas tendem muitas vezes à coisa alguma.
Não estou dizendo escrevendo um monte de coisas ao léu. De repente até estou, mas no momento acho que não, pois há essa luta de fazer o mínimo sentido pra você. Não estou criticando a natureza da palestra. Tenho estudado o que dá pra estudar na grande e incentivada arca de publicações científicas que é o sistema acadêmico brasileiro e trabalhado (agora mais lento do que outrora) na associação do quantum com a Arte, mais precisamente a literatura ou qualquer veículo de contar histórias. Não lidava faz tempo é com esta parte dos saberes cósmicos da outra metade da palestra que renderá um post futuro do tipo pero que las hay, hay! .
Ocorre contar é a dicotomia entre a pergunta de uma espectadora e a postura do palestrante e de grande parte dos terapeutas holísticos avessos à Freud: a postura do Foda-se! sem ser ególatra, apesar de tudo freudiana, ainda que em sua superfície semântica. A espectadora levantou seu braço num ângulo de setenta e seis graus de acordo com a latitude da sala em função do trópico de Capricórnio e perguntou se o palestrante poderia descrever de modo cartesiano como é que ele transita entre a 3ª e a 4ª dimensão.
Sim, eu achei que ela era a velhinha de Donnie Darko e senti um laivo de esperança em ler aquele livro sobre viagens no tempo.
E sim, esta é a parte que difere de qualquer alusão à Seinfeld que você possa ter suscitado no afã da síndrome da Obra Aberta, ao ler a frase que está abaixo do nome deste blog. A intenção do autor dessa página é falar das coisas que supostamente ele gosta e supostamente domina, e discutir aquilo que teoricamente entende ao olhar para os "fatos" do mundo. No entanto, sempre haverá a possibilidade de escrever qualquer porcaria que vier à telha, tais como discorrer sobre a noite passada em lugar de simplesmente dizer welcome.
Acredite ou não, o palestrante deu a única resposta que poderia oferecer acerca da necessidade de materializar conceitos tão distantes até mesmo de abstrações, de um modo que até Stephen Hawking possivelmente o faria: Não dá.
É impossível explicar Tudo. É impossível explicar nada. Pois tudo está distante tal qual a onisciência está de nossa posse, e nada é explicável quando as palavras que ouvimos possuem o crivo seletivo e maniqueísta de nossas mentes abertas e repletas de amor descompromissado...
Assim sendo, bem-vindo. A Miríade alberga tudo e tudo está fora dela.
Bem-vindo pela primeira vez a um lugar do qual você jamais saiu enquanto nunca esteve.